O Modelo de Assistência das Parteiras

Lá vou eu bater na mesma tecla! Mas bom, como me disseram esses dias: “pode bater na mesma tecla, eu quero entender”.  Eu acho que então vou continuar batendo nessa mesma tecla até um número suficiente de pessoas entenderem e passarem à ação! E é claro, eu estou sempre disposta para a ação além de bater na mesma tecla!

Esse post é baseado em uma apresentação Power Point que tenho sobre o Modelo de Assistência das Parteiras. Ela começou no começo dos anos 2000 quando eu era ativista junto ao lindo grupo Texans for Midwifery ajudando a promover o Modelo de Assistência em espanhol. O primeiro slide tem essa linda foto da parteira Merideth Klein que morava e atuava em Austin no Texas na época:

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Gosto muito dessa foto. O quadro no fundo (não se vê muito bem) tem pessoas de várias nacionalidades e etnias.  Merideth olha sua cliente bem nos olhos, elas estão sentadas confortavelmente em um sofá  conversando em uma postura “horizontal” a distância, física inclusive, entre elas é pouca. Se Merideth não tivesse papel e caneta à mão (ela escreve no prontuário da mulher) veríamos duas mulheres conversando. Essa foto captura pra mim a alma do Modelo de Assistência com o qual eu trabalho e que eu desejo que se multiplique e frutifique tanto no meu país como no mundo: éticaholismo, cuidado, horizontalidade e profissionalismo são alguns dos conceitos à ele associados.

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“E o rei do Egipto falou às parteiras das hebréias (das quais o nome de uma era Sifrá, e o nome da outra, Puá) e disse: Quando ajudardes no parto as hebréias e as virdes sobre os assentos, se for filho, matai-o; mas, se for filha, então, viva. As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram como o rei do Egipto lhes dissera; antes, conservavam os meninos com vida. Então, o rei do Egipto chamou as parteiras e disse-lhes: Por que fizestes isto, que guardastes os meninos com vida? E as parteiras disseram a Faraó: É que as mulheres hebréias não são como as egípcias; porque são vivas {ou espertas} e já têm dado à luz os filhos antes que a parteira venha a elas. Portanto, Deus fez bem às parteiras. E o povo se aumentou e se fortaleceu muito. E aconteceu que, como as parteiras temeram a Deus, estabeleceu-lhes casas. Então, ordenou Faraó a todo o seu povo, dizendo: A todos os filhos que nascerem lançareis no rio, mas a todas as filhas guardareis com vida. –

Êxodo 1:15-22

Temos no Velho Testamento uma prova histórica escrita da atuação e do serviço da parteira que é sem dúvida uma das profissões mais antigas da Humanidade. O que acho interessante aqui é a “rebeldia”das parteiras hebréias Sifrá e Puá: elas desafiam, porém sem combater abertamente, a ordem do Comandande Supremo, o Faraó, por sua arbitrariedade e injustiça. Elas “temeram a Deus” ou seja elas responderam à uma Ordem por elas considerada superior aquela do Faraó detentor do poder e símbolo do status quo para proteger as crianças hebréias. Na Idade Média elas continuaram desafiando e o status quo e milhares de parteiras foram queimadas no fogo da Inquisição sob a acusação de bruxaria. Paradoxalmente, essa “rebeldia” ou questionamento do status quo, que aparece também no Velho Testamento, desafiava então do poder da Igreja. Mas vemos que essa capacidade de pensamento, decisão e ação autônoma em nome do bem estar das mulheres e suas famílias já vem sendo uma das caractéristica da profissão de parteira desde tempos imemoriais.

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O advento da Obstétrica como especialidade médica data de grosso modo 100, no máximo 200 anos, um tempo ínfimo no contexto da História da Humanidade. A Medicina dita Hipocrática ganhou rapidamente o Mundo Ocidental, sendo portanto hoje conhecida como “Medicina Ocidental”  ou ainda “Biomedicina”. Isso sobretudo durante o final do século XIX e no século XX  com evolução rápida advinda entre outros da teoria microbiana e a descoberta dos antibióticos. As mulheres não foram bem-vindas no começo da História da Medicina assim como em outras esferas sociais e profissionais. No Brasil a primeira mulher a formar-se em medicina o fez em 1887.

Na Europa e na Ásia a parteira foi integrada ao longo do tempo como profissional independente no Sistema de Saúde. Minha parteira Elisabeth Drèves contava como para ela era estranho que sua profissão fosse tão pouco conhecida e marginalizada no Canadá nos anos 90 enquanto em sua França natal, segundo ela, se ela estivesse em um ônibus ou metrô cheio e alguém da Comunidade a reconhecesse imediatamente lhe dariam um assento! Ou seja, em seu país e parte do Continente (Europa Ocidental) se trata se uma profissão reconhecida e respeitada. Porque, quando e como chegamos a esse ponto de se envergonhar, de estranhar a palavra e a profissão de parteira?

Não vou elaborar sobre esse tema! Até por que isso daria um bom post por si só… Vou ater-me a falar do que eu me propus no título!

► O modelo de Assistência da Parteira  baseia-se no princípio de que a gestação, parto e o nascimento são procesos normais da vida de uma mulher. O Modelo de Assistência da Partera inclui:

  • supervisionar o bem estar físico, psicológico, emocional e social da mãe durante o ciclo gravídico-puerperal (as visitas com parteira duram de 30 min à 2 hrs)
  • proprocionar à mãe educação, aconselhamento e cuidado prénatal individualizado, assistência direta continua durante a etapa prénatal, todo o trabalho de parto e apoio na etapa do pós-parto
  • reduzir as intervenções tecnológicas
  • identificar e trabalhar em conjunto dentro um sistema de refêrência e contra-refêrência com o modelo médico/hospitalar para aquelas mulheres que necessitem atenção obstétrica.

►A aplicação deste modelo de assistência centrado na mulher tem comprovadamente reduzido a incidência de feridas nos partos, traumas e nascimentos cirúrgicos.

* Baseado na definição do Modelo de Assistência da Parteira pelo Citizens for Midwifery (Cidadãos pelas Parteiras): http://cfmidwifery.org/mmoc/define.aspx

Ou seja o Modelo de Assistência da Parteira é um Modelo de Assistência Primária e Secundária em Saúde (Baixa e Média Complexidade) enquanto que o Modelo de Assistência da Obstetrícia, enquanto especialidade da Medicina e da Enfermagem, consiste um Modelo de Assistência Terciária ou de Alta Complexidade. São Modelos de Assistência norteados por princípios distintos porém complementares.

O Fundo de População das Nações Unidas editou em 2014 um Relatório sobre a condição das parteiras no mundo. Segundo esse último o mundo necessita urgentemente de 350 000 parteiras treinadas.

UNFPA Report

 

Fotos da Enfermeira Obstétrica Silvéria Santos, sua filha e seu neto e da Obstetriz da EACH-USP cortesia de Bia Fioretti do Mães da Pátria.
Fotos da Enfermeira Obstétrica Silvéria Santos, sua filha e seu neto e da Obstetriz da EACH-USP cortesia de Bia Fioretti do Mães da Pátria.

Ser parteira no Brasil hoje tem várias caras, vários estilos, vários endereços. Meu sonho é que unamos forças e deixemos o que nos divide de lado para buscar na essência da “rebeldia” histórica das nossas ancestrais, irmãs de profissão, a possibilidade de promover um Modelo de Assistência que tenha a capacidade de mudar e fazer avançar de fato a saúde materno-infantil do nosso país. “Rebeldia” essa que deve ser compreendida em sua essência em quanto capacidade de questionamento e de ação face á um sistema vigente arbitrário, abusivo ou injusto.  Essa proposta vai muito além do poder advindo do técnicismo e do reconhecimento institucional.

A antropóloga Robbie Davis-Floyd define o que ela chama de “parteira pós-moderna“:

“Aquela que tem uma atitude relativista em relação a biomedicina e outros sistema de conhecimento como por exemplo o “alternativo” e o indígena, se movimentando com fluidez entre eles para o beneficio das mulheres para as quais ela presta assistência.”

É esse o Modelo de Assistência com o qual eu me identifico, com o qual eu sonho e pelo qual eu luto.

O que estamos esperando?

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Mudar Paradigmas

Eu adoro ler! Adoro um bom livro. Estou conseguindo nesse momento da minha vida ler bastante e sobre temas variados. Graças ao maravilhoso Sistema de Bibliotecas Públicas do Québec! Que benção! Como isso é bom, um sistema de bibliotecas públicas é tudo pra quem gosta de pensar e/ou ler! Junto com a Internet então, fechou!!

Estou me deliciando com o livro “The Power of Women” da parteira norte americana cherokee Sister Morning Star da qual eu já falei nesse post anterior (esse eu comprei na Conferência da Midwifery Today e vai para a minha biblioteca de empréstimos, na minha salinha de atendimento querida em Brasília, aguardem!). Estou sorvendo as palavras de Sister ou Estrella, dependendo de onde ela esteja, como quem sorve uma boa xícara de chá (que eu adoro!) quentinho! Aos poucos me deliciando com o que ela chama de “medicina da palavra”. Aliás eu quero corrigir as palavras da Benção Cherokee que ela ensina! Eu escrevi, no post em questão, de lembrança apenas mas no livro está escrito como ela nos ensinou: “May you live long enough to know why you were born”, “Que você viva o suficiente para saber porquê nasceu”. Essa benção é feita sob a luz do sol ou da lua dependendo do momento que a criança nasceu.

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Algumas palavras do livro que me tocam: “The psycho-spiritual-emotional-cultural aspects of a woman far outweight her physical nature; they actually create it.”  “Os aspectos psico-espiritual-emocional-cultural de uma mulher de longe ultrapassam sua natureza física; na verdade eles a criam.” p. 8  “Sometimes babies design a mother’s birth.” “Por vezes bebês desenham o parto de uma mãe.” p. 14

Agora vamos mudar de livro! O livro “The Structure of Scientific Revolutions”  “A Estrutura das Revoluções Científicas” é um Clássico no mundo acadêmico! Clássico assim mesmo com C maiúsculo! Meu marido acadêmico em Ciências Políticas quando viu o livro na minha mesa de cabeceira esclamou: “Você está lendo Kunh?!” Sim, também estou lendo e me deliciando com Kunh, sorvendo a medicina das palavras dele! Esse livro dá pra achar em PDf por aí, viva a Internet!!

Pra quem ainda não sabe, Thomas Kunh é o pai da noção de Paradigma Científico e Mudança de Paradigma. Ele escreveu sobre isso em 1962 e o trabalho ainda é A referência nesse tema. Um pouco das palavras de Kunh: “Paradigms: Universally recognized scientific achievements that for a time provide model problems and solutions for a community of practitioners” p. X. Tenho em mãos uma versão em inglês do livro, existe uma tradução em português, porém vou fazer minha tradução livre por aqui, perdoem-me! “Paradigmas: conquistas científicas universalmente reconhecidas que por um tempo provêm problemas modelos e soluções para uma comunidade de praticantes.”; ” (…) the more certain they [the historians of science] feel that those once current views of nature were, as a whole, neither less scietific nor more the product of human idiosyncrasy than those current today. If these out of date beliefs are to be called myth, than myths can be produced by the same sorts of methods and held for the same sort of reasons that now lead to scientific knowledge. If on the other hand they are to be called science, then science has included bodies of belief quite incompatible with the ones we hold today. (…) Out-of-date theories are not in principle unscientific because they have been discarded.” p.2. “(…) quanto mais certeza eles [historiadores científicos] têm de que aquelas visões da natureza correntes em uma certa época foram, como um todo, nem menos científicas nem mais o produto da idiosincrasia humana do que aquelas correntes hoje. Se essas crenças depassadas devem ser chamadas de mito, então mitos podem ser produzidos pelos mesmos tipos de métodos e retidos pelos mesmos tipos de razões que hoje levam ao conhecimento científico. Se por um outro lado elas devem ser chamadas de ciência, então a ciência já incluiu conjuntos de crenças um tanto incompatíveis com as que temos hoje. (…) Teorias defasadas não são em princípio não científicas  por que foram descartadas.”

No começo do mês de março fiz um seminário de um dia com a semiologista Stéphanie St-Amant aqui em Montreal. Foi mais um reencontro. Stéphanie e eu fomos colegas no Grupo MAMAN na mesma época, aquela do processo de legalisação das Casas-de-Parto de da profissão de parteira no Québec na segunda metade dos anos 90. Estamos nessa há um tempinho! O seminário se intitulou: “História crítica das práticas obstétricais e sua rationale”. Também gosto de ir á lugares, formações e de encontrar ou reencontrar pessoas que gostam de refletir. Não me interessa se essas pessoas venham da mesma especialidade, formação ou classe social que eu. Aprecio boas reflexões mesmo não necessariamente concordando com elas contanto que exista respeito e apreciação mútua. Trocar sempre soma!

Stéphanie colocou muitas coisas. Mas passou um bom tempo sobre a noção e a concepção da obstetrícia de datação da gestação. Ao longo da história chegando até hoje. Porque datação específicamente? Por que hoje no Québec (do qual ela fala mais especificamente) e no mundo existe uma tendência crescente nas induções de parto (farmacológicas ou não).

Recentemente na Mídia e nas Redes Sociais têm se falado muito sobre a segunda gestação e parto por vir  da Duquesa de Cambridge. E circulou nas Redes Sociais esse artigo sobre a questão de pós-datas e indução no caso da célebre Duquesa. E aí os ativistas do parto humanizado compartilham dizendo: olha aí, podemos esperar e pós-datismo não é indicação de cesárea! E os médicos (não necessariamente os cesáristas) compartilham dizendo: olha aí, mas se a gestação virar de risco vai precisar das intervenções X, Y Z e estamos aqui pra isso! E no mundo atual, não só no Brasil, a segunda visão está ganhando! E as induções aumentando e as cesárias também! Mas será que as duas visões não podem trabalhar juntas?

Por um outro lado têm gente muito otimista! Gente que está aí na luta pela “Humanização” como novo Paradigma de Assistência ao nascimento há décadas (20, 30 anos) que diz que as coisas no Brasil mudaram e muito! Veja essa entrevista da Mater TV com a Enfermeira Obstétrica baiana Mary Galvão por exemplo. E mesmo assim os índices globais de cesárea continuam a subir no Brasil e no resto do mundo. Enquanto isso experiências específicas em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil, mostram que é  de fato possível ter os famosos índices de 15% de cesárea sugeridos pela OMS de maneira segura utilizando adequadamente a tecnologia de ponta do século XXI , tecnologias antigas, milenares e recursos humanos treinados (formalmente ou não) para atuar em diversos escalões da Assistência (primária, secundária e terceária).

Do que se trata então? Como essa “Mudança de Paradigma” pode se fazer de maneira efetiva sem deixar ninguém de fora?  Ainda continuo refletindo, lendo Sister Morning Star e Thomas Kuhn, no momento! Ainda me questiono sobre que Paradigma Novo é esse que queremos e até onde a “Medicina Baseada em Evidências” é tão científica e tão maravilhosa quanto pretendemos…

Independente de concordar ou não ideológica ou filosóficamente com alguém, posso apreciar uma vontade genuína de contribuir para o avanço do Ser Humano nesse planeta. E por isso mesmo discordando de muita gente do “Movimento pela Humanização do Nascimento” (que está longe de ser um conjunto homogêneo de pesoas) continuo dialogando e trabalhando em parceria, de perto e de longe com essas pessoas. Muitas vezes tenho a impressão de que os profissionais médicos (médicos, enfermeiras, etc)  têm uma aversão viceral, quase que irracional a nós parteiras! Sobretudo á aquelas sem formação formal. E isso escapa a minha compreensão! Dois, ou mais, Modelos de Assistência distintos podem viver em paz, podem muito bem colaborar trabalhando juntos pelo bem comum. Não precisamos todos pensarmos igualzinho, sermos iguaizinhos! Isso é possível basta vontade e humildade suficientes de todos os lados.

Cito aqui para terminar um outro pensador, não pelo seu pedigree que é enorme e incontestável, nem por suas orientações políticas, que são sempre por natureza questionáveis, mas por traços que eu admiro em alguém; a capacidade de pensar e a coragem (que vem de cor, coração, lembram?) de dizer o que precisa ser dito: “Em um longo discurso sobre problemas enfrentados pelo Brasil, o ministro [Roberto Mangabeira Unger] criticou o modelo atual de ensino. Ele disse que um novo projeito nacional tem de ser produtivista e nacionalizador e vir acompanhado de uma revolução na educação pública. “Nosso ensino público é uma imitação do ensino francês do século 19, baseado em decoreba. Nosso método de ensino é uma camisa de força dogmática. É hora de tirar essa camisa de força”, afirmou.”

Pensemos e ajamos juntos e juntas, com sensatez e coragem, tiremos nossas camisas de força pelo bem de todas e todos e a felicidade geral!

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O Amor e o Medo

Para quem está começando o caminho de parteira ou mesmo aquelas que já o trilham a muito tempo, a revista Midwifery Today é um recurso sempre presente. Lá no comecinho do meu percurso como aspirante e estudante parteira no começo dos anos 2000 fui assinante da revista. Muito da informação e dos recursos que elas oferecem na publicação e na Editora me inspiraram e ajudaram na época. O interesse na questão internacional e na diversidade de práticas tanto étnica como cultural da Midwifery Today, também sempre foi uma coisa que me fascinou e ressoa comigo, pois tenho por isso uma paixão e a bagagem “oficial”, lá traz em 1999, de um Certificado em antropologia. Por essas e outras razões sempre tive vontade de participar de uma das Conferências que elas organizam já há muitos anos. As Conferências da Midwifery Today são famosas e em geral acontecem duas vezes por ano uma nos EUA e uma em um outro país.

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Em 2005 tive o imenso prazer e a grandissíssma honra de fazer um estágio com a parteira tradicional mexicana Angelina Martinez Miranda em Temixco cidadezinha ao sul da cidade do México onde Angelina morava e tinha sua “Casita,” uma pequena casa de parto ao lado da sua casa na época. Eu conheci algumas parteiras mexicanas no Texas e  uma jovem parteira de Austin, a querida Natalie Lake, tinha passado um tempo com Angelina e falava muito bem dela. Eu tinha, quando estudante, muita vontade de passar um tempo com uma parteira tradiconal mesmo se isso não contaria oficialmente para a minha formação com a Associação de Parteiras do Texas e que muitas de minhas preceptoras me desencorajaram de fazê-lo. Então em junho 2005 houveram uma confluência de fatores e fomos!

Combinei tudo com Angelina, temos amigos na cidade de Cuernavaca, perto de Temixco, que nos  receberam e então pegamos o carro e fizemos uma viagem familiar desde Austin, na ida em comboio com amigos mexicanos e na volta em família! Foi uma linda experiência para todos em muitos e muitos sentidos. Mexicanos e brasileiros têm muita afinidade. Nessa mesma época, mais ou menos um mês depois, as parteiras Naolí Vinaver Lopez, Cristina Galante e Araceli Gil organizaram uma linda Conferência Internacional na cidade de Oaxtepec onde estiveram pessoas do mundo inteiro entre elas muitos brasileiros e brasileiras. Entre essas pessoas estavam Jan Tritten e Eneyda Spradlin-Ramos, respectivamente a dona e fundadora da Midwifery Today e sua braço direito, que passaram pela casa de Angelina antes da Conferência. Assim pude conhecê-las. Isso foi há 10 anos atrás!

Uma das minhas propostas pessoais, um dos objetivos para esse ano sabático é de usar esse tempo que ganhei de presente para ir a Conferências, formações para a minha formação continuada e aperfeiçoamento profissional e fazer mais contatos. São coisas que não consigo ou tenho mais dificuldade de fazer quando estou em Brasília me dedicando de corpo e alma a atender mulheres e suas famílias em pré-natais, partos e visitas pós-parto. Muitas vezes tenho dificuldades de sair 30 min. da cidade para ir a uma cachoeira onde não tem sinal para celular! Viagens nacionais e internacionais, férias e afins têm sempre que ser muito bem planejadas com meses de antecedência pois não costumo pegar partos para essas épocas e tenho sempre que ter uma cobertura eficiênte de uma colega de confiança quando preciso por forças maiores ou inesperadas me ausentar!

A Conferência nacional da Midwifery Today esse ano foi em Eugene Oregon, a “casa” da revista, onde elas voltam há cada dois ou 3 anos. Pensei que seria uma boa oportunidade para finalmente poder ir a uma dessas Conferências. Ir a esses eventos é sempre dispendioso! Entrei em contato com a querida Eneyda lhe perguntando se teriam a possibilidade de um desconto na Conferência em troca de algum tipo de trabalho para a mesma. Ela estava a caminho de Quíto no Ecuador com Jan para visitar um local para uma Conferência no ano que vem! Mas me respondeu quase que imediatamente que sim precisavam de tradutoras/interpretes para traduzir ninguém menos que Angelina Martines Miranda e também o médico equatoriano Diego Alarcón!  Com ajuda das milhas aéreas então lá fui eu reencontrar Angelina: 10 anos depois!

Foi muito emocionante! Eneyda me recebeu em Portland e em sua casa na cidade de Vancouver no Estado vizinho de Washington para o pernoite e no dia seguinte seguimos de carro para Eugene. Eu apenas estive no Estado de Oregon uma outra vez. Foi na pequena e deliciosa cidade de Ashland para fazer uma formação do método Calm Birth com Bruce Newman em 2008. Na volta passei algumas horas no Centro de Portland pois tinha muito tempo de espera entre um vôo e outro. Oregon nos Estados Unidos é conhecido como um Estado progressista. Costumo brincar que é o Estado com a maior concentração de estúdios de yoga, restaurantes vegetarianos e pessoas com a mente aberta por metro quadrado! Gostei de Oregon em 2008! Gostei de voltar por lá em 2015! A certificação ou licenciamento das parteiras no Estado de Oregon, pra vocês terem uma ideia no nível dessa abertura de espírito, é voluntária!

Logo na chegada em Eugene pude ter a honra de participar de uma reunião discutindo o futuro e os projetos do Global Midwifery Council. Foi muito interessante e entre as maravilhosas convidadas para essa reunião estava Hermine Hayes-Klein diretora da ONG Human Rights in Childbirth que mora em Portland. E no dia seguinte emoção total: reencontro com Angelina pra quem eu e minha colega interprete Emelyn fizemos a tradução do workshop de Pré-Conferência de dia inteiro sobre práticas tradicionais mexicanas! Tive direito á arrepio e frio na espinha de emoção em um lindo abraço! E também ganhei de presente no final do workshop: receber como modelo um fechamento (cerramiento) com o rebozo que eu incorporei na minha prática como parteira mas que nunca recebo! Só emoção!

Eneyda, Jan e sua irmã no dia de reuniões e preparações
Eneyda, Jan e sua irmã no dia de reuniões e preparações

Só me dei conta o quanto eu precisava de um dos temas que estava sendo tratado na Conferência, Amor e Medo no parto (o título da Conferência foi “Parir com Amor Muda o Mundo”), na tarde do primeiro dia oficial da Conferência depois de dois dias de Pré-Conferência! Eu estava traduzindo para Diego Alarcón em uma mesa redonda que ele dividia com Sister Morning Star (parteira da Nação Nativa Norte-Americana Cherokee) e Eneyda sobre Medo no parto vs Amor no parto. Sister falava, eu traduzia ao pé do ouvido para Diego. Ela nos contou que quando recebe um bebê lhe dá uma Benção tradicional Cherokee levando-o á luz do sol ou da lua dependendo de quando tenha nascido: “Que você possa saber por que você veio á essa vida”.  Ao final de sua linda apresentação ela pediu que nós, que a ouvíamos, encontrássemos um parceiro e que lhe disséssemos a Benção Cherokee. E Diego foi além, me perguntou baixinho: e vc sabe porque você veio a essa vida? E eu pega de surpresa respondi: acredito que uma das razões é ser parteira! E repliquei: e você, sabe? E ele respondeu: “certa vez uma mulher brasileira me disse que eu vim á essa vida para combinar o saber cientifico com o saber tradicional”! Mas além disso os dois falaram e me lembraram de algo muito importante que ressoou em mim junto com a certeza de estar nessa vida para partejar.

Canção Cherokee por Sister Morning Star

Enquanto seres humanos temos um centro básico onde reside o medo. E esse sentimento foi selecionado por milhões e milhões de anos como algo de funcional para os seres vivos. O instinto de lutar ou fugir frente a um predador é acionado pelo medo e o estresse que iniciam uma cascata hormonal que nos permite mecanismos biológicos de defesa e sobrevivência. As catecolaminas são os hormônios do estresse e do medo. O medo é então um instinto básico de sobrevivência e por tanto útil! No extremo oposto temos o centro básico onde reside o amor. E o amor e o medo estão em lados diametralmente opostos do espectro de vivências humanas. Inclusive nos processos hormonais que eles desencadeiam. O amor e suas diversas expressões concretas e abstratas fazem com que secretemos o hormônio ocitocina, popularmente chamado de O hormônio do amor. E é precisamente esse hormônio, a ociotcina, que faz contrair nossos úteros (e os pênis também!) no orgasmo e no parto! Ou seja para secretar ocitocina e não catecolaminas a mulher em trabalho de parto precisa de: amor e cuidado. Isso é o ABC do parto natural, Michel Odent (que também estava na Conferência da MT do alto dos seus 85 anos!) nos ensina isso há décadas!!!

Pois é,  na teoria é sempre mais fácil, mais bonito, mais simples! Na prática, na vida, na vivência, na experiência, somos humanos, seres infinitamente complexos, e, como dizia Sister, muitas vezes, a maioria delas, o núcleo básico do medo vence, e eu adiciono: mesmo tendo estudado e acreditando em Leboyer et Michel Odent! Somos por vezes limitados. É uma realidade humana que temos que aceitar! Todos envolvidos com parto e nascimento, profissionais e usuários, independente do modelo de assistência que sigam (citando a querida Robbie Davis Floyd também presente na Conferência: tecnocrático, holístico, humanista, pós-moderno) ou acreditem vão se deparar em algum momento com o medo. Faz parte da experiência de ser Humano, de estar vivo. E o trabalho não é erradicar o medo mas, como eu já disse em um post anterior, não deixar que ele nos paralise. Conviver com ele  da maneira mais positiva possível para que possamos viver nosso pleno potencial individual e coletivamente. Ou seja: precisamos conectar com o amor. O amor na vida, na experiência, na prática. Pra mim essa é a definição de coragem, que em português e algumas outras línguas vem da palavra latina “cor”: coração.

O medo nos faz estudar, preparar-nos, agir e vislumbrar distintos ângulos trazendo um grande peso. Partindo do amor, podemos fazer exatamente as mesmas ações de uma maneira bem mais leve! A diferença é o espaço que habitamos que moverá em seguida nossas intenções. E esse espaço é sempre, é claro, em parte definido por nossas experiências e história pessoal. Daí a importância de almejarmos sempre um caminho de auto conhecimento e desenvolvimento pessoal. Conferências como as da Midwifery Today buscam nos levar para esse espaço interno, esse centro básico do amor. E como precisamos, meus amigos, banhar nesse espaço! Desejo que vocês,  eu, nós, possamos banhar nesse espaço, conectando-nos com nosso centro básico do amor, hoje, agora e sempre. Para que assim possamos,  como deseja a Benção Cherokee, então encontrar nossa missão nessa vida, não esquece-la e lutar por ela apesar das dificuldades e do medo! Deixo-os com um dos meus textos cristãos preferidos, A Carta de Paulo aos Coríntios:

1 Coríntios 13
1 ¶ Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
2 E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
3 E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
4 ¶ O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
5 Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
6 Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
7 Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8 ¶ O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
9 Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
10 Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
11 Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
12 Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
13 Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.

No dia seguinte, quando todos se foram, uma última mensagem deixada no saguão do Hotel!
No dia seguinte, quando todos se foram, uma última mensagem deixada no saguão do Hotel!

 

 

Livros, História e Medicalização do Nascimento

Esse mês de dezembro meu filho mais velho Yuri vai fazer 17 anos. Ele nasceu na Casa de Parto (Maison de Naissance) Côte-des-Neige em um dia lindo onde caia uma neve bem fina, meu melhor presente de Natal! Foi também meu primeiro e mais profundo mergulho no mundo do parto e nascimento. Por isso e muitas outras coisas eu sempre lhe serei grata meu filho!

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Em 1997 as Casas de Parto na Província de Québec, assim como as parteiras profissionais (autônomas), estavam em um período de projeto-piloto. Era a fase de teste para ver se dava certo esse negócio de parir com parteira! De lá até aqui muita coisa mudou tanto para as parteiras e as Casas de Parto do Québec quanto para mim e o Yuri!

Então foi com grande alegria que participei do lançamento do livro L’Histoire de l’accouchement dans un Québec Moderne  (A História do parto em um Québec Moderno)  de Andrée Rivard na quinta-feira passada dia 27/11. Também celebrava-se 20 anos de Casas de Parto e parteiras integradas no Sistema de Saúde na Província de Quebec!

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O lançamento foi na Casa (Maison) Parent-Roback num edifício no bairro histórico do Velho Porto de Montreal. É um edifício que abriga vários Organismos de Ação Comunitária pelo direito das mulheres entre eles o  Regroupement Naissance Renaissance (Coletivo Nascimento Renascimento) que atua há 30 anos na cena dos direitos das mulheres no período perinatal entre outros reagrupando diversos Grupos da Província que trabalham sobre o mesmo tema. Também apoiaram o lançamento o Regroupement Les Sage-femmes du Québec e o Groupe MAMAN uma Associação de usuárias da qual eu fiz parte de 1998 à 2001 antes de sair do Québec!

Foi tudo muito significativo como vocês podem perceber! Pois lá estavam pessoas com quem eu convivi 17 anos atrás que continuam firmes e fortes no ativismo! Foi uma nova visita ao Regroupement Naissance Renaissance, a última  foi em 1999 gestando minha filha Aysha! Uma viagem histórica em todos os sentidos! Inclusive de reconexão com a minha história. Houve uma leitura de passagens do livro por uma membro do Groupe MAMAN que é atriz a emoção na sala cheia era palpável! Não tive nem coragem te tirar fotos por respeito ao momento!

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Agora uma coisa sempre me chama atenção: como fora do Brasil se fala de medicalização do parto e como no Brasil não é um tema que é muito discutido. No Brasil o que prima sempre é a “humanização do parto”.  Quase nunca ouço ou leio debates, reflexões, inquisições (nos dois sentidos da palavra) sobre a “medicalização do parto”. “Medicalização” no Brasil sempre está associada ao excesso de cesáreas, o que é compreensível. Mas por aqui “medicalização” fala de: hospitalização, procedimentos sem indicação, monopólio médico do parto, etc. Ou seja uma visão totalmente crítica do Modelo de Assistência Obstétrico. E sempre me perguntei: porque será que existe essa diferença? Não sei ao certo…mas sinto que é quase um tabu falar de medicalização do parto no Brasil como um questionamento mais além do excesso de cesáreas. Parece que isso incomoda de alguma forma. Ao mesmo tempo, o fato do parto ser um evento médico, estar no âmbito médico e acadêmico aparentemente não pode ser muito questionado. Um dos meus primeiros trabalhos da minha formação de parteira no Texas foi sobre a História das Parteiras. Assim, bem geral. É impossível olhar honestamente para a História do parto e nascimento e da profissão de parteira e não ver  a medicalização do parto e nascimento entre outros como uma questão de gênero, de classe e de poder. A contracapa do livro de Andrée Rivard diz assim no segundo parágrafo: “(…) Longe de ter efeitos favoráveis, a medicalização do nascimento é um fenômeno muito controverso. (…)” Tá aí, quem sabe é essa controvérsia que gera dificuldades no Brasil! Temos muitos médicos, médicos do bem, que estão aí desde começo no “Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento”, outros que chegaram agora ou há pouco e que bom! Quem sabe, somente, quem sabe queremos evitar controvérsias demais? Será?

Outro feliz re-encontro que fiz no lançamento foi da pesquisadora e autora Hélène Vadeboncoeur. Hélène é a autora do excelente livro: Parto Natural: Mesmo Após uma Cesárea que acaba de ser lançado no Brasil em português pela primeira vez em outubro! Fiquei muito feliz de revê-la e creio que foi recíproco! Ela está trabalhando em lançar uma parte do site dela em português em muito breve. Com informações e relatos. É um livro excelente que eu já disponibilizava para minhas clientes em inglês. Agora isso será possível em português!  Hélène é uma pesquisadora de primeiríssima! Ela me pediu alguma ajuda e dicas nas traduções do site para o português e fico muito feliz em poder ajudar. Quanto mais informações de qualidade tivermos disponível mais fácil será empoderar as mulheres para que possam fazer escolhas conscientes.

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Conheci também a Jessica Gerlach uma imigrante de Curitiba que mora há 5 anos aqui e está fazendo seu mestrado em Sociologia na Universidade de Montreal. Ela pensa trabalhar com a Comunidade de Imigrantes brasileiras por aqui creio entender sobre a percepção do parto ou ainda as experiências de parto. Conversando com ela e Hélène, já que essa ultima não pode ir ao Brasil para o lançamento do livro em português, surgiu a ideia de um lançamento do livro da Hélène  para a Comunidade Brasileira do Quebec! Vamos ver se essa ideia se concretizará!

Deixo pra vocês minha tradução livre da dedicatória da Andrée Rivard:

“Para Paloma: Devemos nos acomodar da herança ou reinventa-la a nossa maneira? Essa é a questão! Boa Leitura!”