O Amor e o Medo

Para quem está começando o caminho de parteira ou mesmo aquelas que já o trilham a muito tempo, a revista Midwifery Today é um recurso sempre presente. Lá no comecinho do meu percurso como aspirante e estudante parteira no começo dos anos 2000 fui assinante da revista. Muito da informação e dos recursos que elas oferecem na publicação e na Editora me inspiraram e ajudaram na época. O interesse na questão internacional e na diversidade de práticas tanto étnica como cultural da Midwifery Today, também sempre foi uma coisa que me fascinou e ressoa comigo, pois tenho por isso uma paixão e a bagagem “oficial”, lá traz em 1999, de um Certificado em antropologia. Por essas e outras razões sempre tive vontade de participar de uma das Conferências que elas organizam já há muitos anos. As Conferências da Midwifery Today são famosas e em geral acontecem duas vezes por ano uma nos EUA e uma em um outro país.

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Em 2005 tive o imenso prazer e a grandissíssma honra de fazer um estágio com a parteira tradicional mexicana Angelina Martinez Miranda em Temixco cidadezinha ao sul da cidade do México onde Angelina morava e tinha sua “Casita,” uma pequena casa de parto ao lado da sua casa na época. Eu conheci algumas parteiras mexicanas no Texas e  uma jovem parteira de Austin, a querida Natalie Lake, tinha passado um tempo com Angelina e falava muito bem dela. Eu tinha, quando estudante, muita vontade de passar um tempo com uma parteira tradiconal mesmo se isso não contaria oficialmente para a minha formação com a Associação de Parteiras do Texas e que muitas de minhas preceptoras me desencorajaram de fazê-lo. Então em junho 2005 houveram uma confluência de fatores e fomos!

Combinei tudo com Angelina, temos amigos na cidade de Cuernavaca, perto de Temixco, que nos  receberam e então pegamos o carro e fizemos uma viagem familiar desde Austin, na ida em comboio com amigos mexicanos e na volta em família! Foi uma linda experiência para todos em muitos e muitos sentidos. Mexicanos e brasileiros têm muita afinidade. Nessa mesma época, mais ou menos um mês depois, as parteiras Naolí Vinaver Lopez, Cristina Galante e Araceli Gil organizaram uma linda Conferência Internacional na cidade de Oaxtepec onde estiveram pessoas do mundo inteiro entre elas muitos brasileiros e brasileiras. Entre essas pessoas estavam Jan Tritten e Eneyda Spradlin-Ramos, respectivamente a dona e fundadora da Midwifery Today e sua braço direito, que passaram pela casa de Angelina antes da Conferência. Assim pude conhecê-las. Isso foi há 10 anos atrás!

Uma das minhas propostas pessoais, um dos objetivos para esse ano sabático é de usar esse tempo que ganhei de presente para ir a Conferências, formações para a minha formação continuada e aperfeiçoamento profissional e fazer mais contatos. São coisas que não consigo ou tenho mais dificuldade de fazer quando estou em Brasília me dedicando de corpo e alma a atender mulheres e suas famílias em pré-natais, partos e visitas pós-parto. Muitas vezes tenho dificuldades de sair 30 min. da cidade para ir a uma cachoeira onde não tem sinal para celular! Viagens nacionais e internacionais, férias e afins têm sempre que ser muito bem planejadas com meses de antecedência pois não costumo pegar partos para essas épocas e tenho sempre que ter uma cobertura eficiênte de uma colega de confiança quando preciso por forças maiores ou inesperadas me ausentar!

A Conferência nacional da Midwifery Today esse ano foi em Eugene Oregon, a “casa” da revista, onde elas voltam há cada dois ou 3 anos. Pensei que seria uma boa oportunidade para finalmente poder ir a uma dessas Conferências. Ir a esses eventos é sempre dispendioso! Entrei em contato com a querida Eneyda lhe perguntando se teriam a possibilidade de um desconto na Conferência em troca de algum tipo de trabalho para a mesma. Ela estava a caminho de Quíto no Ecuador com Jan para visitar um local para uma Conferência no ano que vem! Mas me respondeu quase que imediatamente que sim precisavam de tradutoras/interpretes para traduzir ninguém menos que Angelina Martines Miranda e também o médico equatoriano Diego Alarcón!  Com ajuda das milhas aéreas então lá fui eu reencontrar Angelina: 10 anos depois!

Foi muito emocionante! Eneyda me recebeu em Portland e em sua casa na cidade de Vancouver no Estado vizinho de Washington para o pernoite e no dia seguinte seguimos de carro para Eugene. Eu apenas estive no Estado de Oregon uma outra vez. Foi na pequena e deliciosa cidade de Ashland para fazer uma formação do método Calm Birth com Bruce Newman em 2008. Na volta passei algumas horas no Centro de Portland pois tinha muito tempo de espera entre um vôo e outro. Oregon nos Estados Unidos é conhecido como um Estado progressista. Costumo brincar que é o Estado com a maior concentração de estúdios de yoga, restaurantes vegetarianos e pessoas com a mente aberta por metro quadrado! Gostei de Oregon em 2008! Gostei de voltar por lá em 2015! A certificação ou licenciamento das parteiras no Estado de Oregon, pra vocês terem uma ideia no nível dessa abertura de espírito, é voluntária!

Logo na chegada em Eugene pude ter a honra de participar de uma reunião discutindo o futuro e os projetos do Global Midwifery Council. Foi muito interessante e entre as maravilhosas convidadas para essa reunião estava Hermine Hayes-Klein diretora da ONG Human Rights in Childbirth que mora em Portland. E no dia seguinte emoção total: reencontro com Angelina pra quem eu e minha colega interprete Emelyn fizemos a tradução do workshop de Pré-Conferência de dia inteiro sobre práticas tradicionais mexicanas! Tive direito á arrepio e frio na espinha de emoção em um lindo abraço! E também ganhei de presente no final do workshop: receber como modelo um fechamento (cerramiento) com o rebozo que eu incorporei na minha prática como parteira mas que nunca recebo! Só emoção!

Eneyda, Jan e sua irmã no dia de reuniões e preparações
Eneyda, Jan e sua irmã no dia de reuniões e preparações

Só me dei conta o quanto eu precisava de um dos temas que estava sendo tratado na Conferência, Amor e Medo no parto (o título da Conferência foi “Parir com Amor Muda o Mundo”), na tarde do primeiro dia oficial da Conferência depois de dois dias de Pré-Conferência! Eu estava traduzindo para Diego Alarcón em uma mesa redonda que ele dividia com Sister Morning Star (parteira da Nação Nativa Norte-Americana Cherokee) e Eneyda sobre Medo no parto vs Amor no parto. Sister falava, eu traduzia ao pé do ouvido para Diego. Ela nos contou que quando recebe um bebê lhe dá uma Benção tradicional Cherokee levando-o á luz do sol ou da lua dependendo de quando tenha nascido: “Que você possa saber por que você veio á essa vida”.  Ao final de sua linda apresentação ela pediu que nós, que a ouvíamos, encontrássemos um parceiro e que lhe disséssemos a Benção Cherokee. E Diego foi além, me perguntou baixinho: e vc sabe porque você veio a essa vida? E eu pega de surpresa respondi: acredito que uma das razões é ser parteira! E repliquei: e você, sabe? E ele respondeu: “certa vez uma mulher brasileira me disse que eu vim á essa vida para combinar o saber cientifico com o saber tradicional”! Mas além disso os dois falaram e me lembraram de algo muito importante que ressoou em mim junto com a certeza de estar nessa vida para partejar.

Canção Cherokee por Sister Morning Star

Enquanto seres humanos temos um centro básico onde reside o medo. E esse sentimento foi selecionado por milhões e milhões de anos como algo de funcional para os seres vivos. O instinto de lutar ou fugir frente a um predador é acionado pelo medo e o estresse que iniciam uma cascata hormonal que nos permite mecanismos biológicos de defesa e sobrevivência. As catecolaminas são os hormônios do estresse e do medo. O medo é então um instinto básico de sobrevivência e por tanto útil! No extremo oposto temos o centro básico onde reside o amor. E o amor e o medo estão em lados diametralmente opostos do espectro de vivências humanas. Inclusive nos processos hormonais que eles desencadeiam. O amor e suas diversas expressões concretas e abstratas fazem com que secretemos o hormônio ocitocina, popularmente chamado de O hormônio do amor. E é precisamente esse hormônio, a ociotcina, que faz contrair nossos úteros (e os pênis também!) no orgasmo e no parto! Ou seja para secretar ocitocina e não catecolaminas a mulher em trabalho de parto precisa de: amor e cuidado. Isso é o ABC do parto natural, Michel Odent (que também estava na Conferência da MT do alto dos seus 85 anos!) nos ensina isso há décadas!!!

Pois é,  na teoria é sempre mais fácil, mais bonito, mais simples! Na prática, na vida, na vivência, na experiência, somos humanos, seres infinitamente complexos, e, como dizia Sister, muitas vezes, a maioria delas, o núcleo básico do medo vence, e eu adiciono: mesmo tendo estudado e acreditando em Leboyer et Michel Odent! Somos por vezes limitados. É uma realidade humana que temos que aceitar! Todos envolvidos com parto e nascimento, profissionais e usuários, independente do modelo de assistência que sigam (citando a querida Robbie Davis Floyd também presente na Conferência: tecnocrático, holístico, humanista, pós-moderno) ou acreditem vão se deparar em algum momento com o medo. Faz parte da experiência de ser Humano, de estar vivo. E o trabalho não é erradicar o medo mas, como eu já disse em um post anterior, não deixar que ele nos paralise. Conviver com ele  da maneira mais positiva possível para que possamos viver nosso pleno potencial individual e coletivamente. Ou seja: precisamos conectar com o amor. O amor na vida, na experiência, na prática. Pra mim essa é a definição de coragem, que em português e algumas outras línguas vem da palavra latina “cor”: coração.

O medo nos faz estudar, preparar-nos, agir e vislumbrar distintos ângulos trazendo um grande peso. Partindo do amor, podemos fazer exatamente as mesmas ações de uma maneira bem mais leve! A diferença é o espaço que habitamos que moverá em seguida nossas intenções. E esse espaço é sempre, é claro, em parte definido por nossas experiências e história pessoal. Daí a importância de almejarmos sempre um caminho de auto conhecimento e desenvolvimento pessoal. Conferências como as da Midwifery Today buscam nos levar para esse espaço interno, esse centro básico do amor. E como precisamos, meus amigos, banhar nesse espaço! Desejo que vocês,  eu, nós, possamos banhar nesse espaço, conectando-nos com nosso centro básico do amor, hoje, agora e sempre. Para que assim possamos,  como deseja a Benção Cherokee, então encontrar nossa missão nessa vida, não esquece-la e lutar por ela apesar das dificuldades e do medo! Deixo-os com um dos meus textos cristãos preferidos, A Carta de Paulo aos Coríntios:

1 Coríntios 13
1 ¶ Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
2 E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
3 E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
4 ¶ O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
5 Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
6 Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
7 Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8 ¶ O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
9 Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
10 Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
11 Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
12 Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
13 Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.

No dia seguinte, quando todos se foram, uma última mensagem deixada no saguão do Hotel!
No dia seguinte, quando todos se foram, uma última mensagem deixada no saguão do Hotel!

 

 

Filmes sobre parto e nascimento

Durante a Conferência Anual da CAM, elas resolveram incluir no Programa um Festival de Filmes sobre Parto. Achei a iniciativa muito bacana! O festival estava incluído na Conferência sem custo extra e os 7 filmes passaram 4 vezes cada um, duas vezes por dia.

Eu consegui assistir 3 dos filmes e gostaria de compartilhar aqui com vocês minhas impressões sobre eles.

O primeiro foi o filme Microbirth que tem tido sucesso no Brasil também.

microbirth

 

Fiquei feliz de ver novas caras e um tema “novo” relacionado ao parto natural. Absolutamente nada contra as caras “antigas” mas faz bem de vez em quando ver e ouvir algo novo! Não pesquisei mais ainda sobre o tema levantado no filme mas achei muito plausível e pertinente. Esse equilíbrio que deveríamos buscar entre natureza e tecnologia, modernidade e tradição é algo de tão complexo! O tom final do filme é pessimista (desculpem se estraguei algo!!) a gente sai da sala com o coração pesado! Imagino que tenha sido o objetivo dos Diretores  para que as pessoas pensem mais. Porém acredito que o tom pessimista as vezes pode deixar as pessoas sem esperança! Se fosse meu filme acho que eu teria tentado terminar em um tom que deixa mais esperança, mais poder para as pessoas! Mas acredito que é definitivamente um filme que vale muito a pena ver e uma questão para se refletir muito seriamente: como estamos afetando o infinitamente pequeno e como em troca o infinitamente pequeno está nos afetando?

O segundo filme que assisti foi Birth Rites. Já falei um pouco sobre ele no meu primeiro post.

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É um documentário que fala de duas realidades em extremos do mundo. Ele mostra os Inuit (nome correto dos Esquimós) do Nunavik no extremo Norte do Canadá em juxtaposição com a realidade de comunidades Aborígenes nas zonas desérticas da Austrália em relação a políticas de saúde materno-infantil. É um filme muito tocante. Vemos como uma mudança de política de saúde pode mudar a vida de uma Comunidade inteira. É de cortar o coração quando vemos a realidade australiana  porém em seguida temos a esperança do modelo Inuit. Achei um filme muito inteligente neste sentido. Apresentando um problema e uma possível solução não de forma utópica mas completamente realista com um exemplo à mão. As diferentes culturas que temos no Planeta Terra fazem parte de nossas riquezas enquanto Seres Humanos. Precisamos entender isso e aprender a respeitar e valorizar as diferenças. Faz parte também desse equilíbrio tão necessário a vida sobre o nosso Planeta do qual falava acima. Não precisamos destruir e dizimar uma cultura só por que ela é diferente da nossa! Desrespeitar a cultura do parto e nascimento de um Povo sob o argumento que a Medicina Moderna é melhor pra eles sem ter em vista o respeito da cultura ancestral é uma das formas do Colonialismo e por consequência de destruição.

O terceiro filme foi L’Arbre et le Nid/The Tree and The Nest que coloca também em juxtaposição mulheres acompanhadas no sistema obstétrico com mulheres acompanhadas pelo modelo das parteiras na Província de Québec no Canadá.

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É um filme de parto já nos moldes mas convencionais pra quem já está nessa estrada há um tempinho!! Fala do Modelo Obstétrico, a cascata de intervenções, etc e mostra partos hospitalares inclusive uma cesárea eletiva que começa a acontecer mais e mais mesmo fora do Brasil. E em juxtaposição mostra-se o Modelo de Assistência das Parteiras no Québec que está incluído no Sistema de Saúde Público e Universal. Um filme esteticamente muito bonito. Gostei da fotografia! Me senti tocada por depoimentos sobretudo das mães e pais. Tem uma cena com o depoimento de um pai muito bonita. O questionamento principal sobre o qual se desenvolve o filme é: será que perdemos a capacidade de pairir? Pergunta muito pertinente para o mundo inteiro atualmente! Mas no Brasil esta pergunta nunca foi tão pertinente! Outras coisas que o filme traz que eu creio que vale a pena refletir no Brasil: que Modelo de Parteira queremos, precisamos falar mais de Humanização do Parto ou Hiper-medicalização do Parto?

Quero terminar falando de um filme que ainda não foi lançado mas está em fase de pós-produção e em plena campanha de financiamento no site Kickstarter. O filme Give Light: Stories from Indigenous Midwives.

Há uns anos atrás uma cliente me ligou dizendo que uma amiga estava fazendo um documentário sobre parteiras e gostaria de conversar comigo. Conheci então Steph Smith. Conversamos, ela me entrevistou e depois esqueci do assunto! Recentemente me marcaram em um trailer do filme onde parte da entrevista comigo aparecia. Feliz surpresa! Entrei em contato com Steph que me colocou a par do processo. Acredito que este filme pode trazer mais uma vez temas que precisam urgentemente serem discutidos como por exemplo: a necessidade de uma assistência culturalmente adequada, da valorização e da preservação da profissão ancestral de parteira e da necessidade de integrar tradição e modernidade para o bem do Ser Humano.  Quem puder por favor contribua. Filmes como este trazem o debate para a sociedade em geral.

Quem sabe um dia podemos ter um Festival Internacional de Filmes sobre Parto e Nascimento no Brasil? Com estes filmes todos, nacionais e internacionais, passando em telonas, recebendo prêmios! Quem sabe um dia!?

Primeira vez! e Conferencia da CAM/ACSF

E aqui vou eu nessa aventura de escrever um Blog! A primeira vez! Aqui vamos nós!!

E vou começar contando pra vocês como foi a minha ida a cidade de Saskatoon, na Província de Saskatchewan (o Canadá é composto de 10 Províncias, equivalente aos nossos Estados, e 3 Territórios Federais), para a Conferência Anual da Associação de Parteiras do Canadá.

O Canadá como o Brasil é um país de dimensões continentais. Eu saí de Montreal, na Província de Quebec para Saskatoon de avião, tive que fazer 2 conexões na ida e uma na volta!  Saskatoon é uma cidade pequena para padrões brasileiros, tem 200 000 habitantes, mas mediana para padrões canadenses: o país inteiro tem 35 milhões de habitantes enquanto que só a região metropolitana de São Paulo tem 19 milhões. Os referenciais são diferentes! É uma cidade universitária. Não tive muito tempo para turismo. O hotel da Conferência ficava no Centro da cidade e pude andar um pouco pelas ruas em volta. Também peguei um taxi e fui a um mercado não muito longe.

 

 

As caixas de eletricidade ao lado dos semáforos tinham pinturas relacionadas a cidade. Achei bem interessante!

Outra coisa que achei bem interessante foi que senti mais a presença das Primeiras Nações. Acima estão o Instituto de Tecnologia e o Banco.

O Hotel ficava bem próximo ao Rio Saskatchewan e tem uma calçada que permite andar a beirada que me lembrou o caminho do “Town Lake” em Austin no Texas.

A Conferência foi muito boa. Logo de cara foi muito positivo ver que as pessoas vêm de várias regiões para participar. Eu participei como observadora da Assembleia Geral da Associação e creio que haviam representantes de quase todas as Províncias. Ontario foi a primeira Província a regulamentar profissão de parteira enquanto profissão autônoma incluindo-a na cobertura do Sistema Público de Saúde Canadense (que é público e universal como o SUS). Aqui vale a pena fazer um parêntesis por que o Sistema de Saúde Pública Canadense, apesar de não ser perfeito, longe disso, é um valor que o Povo canadense tem. Valor no sentido que eles não só valorizam mas acreditam no conceito da saúde ou dos serviços de saúde como um direito e não um bem de consumo. Mesmo com o atual Governo Federal que é de centro-direita, apesar de haverem cortes e reformas, nunca questiona-se o serviço de saúde público como direito da população. E todo mundo usa o mesmo não existe um Sistema Privado paralelo. A administração dos serviços é decentralizada para as Províncias como o que acontece no SUS. Então as parteiras canadenses também têm este diferencial, este valor, elas acreditam que os serviços das parteiras devem ser cobertos pelo Sistema de Saúde Público. Isso é um consenso, quase um tabu! E essa integração tem sido feita aos poucos nos últimos  20-25 anos desde Ontario que é a Província com o maior número que parteiras em atividade atualmente: 680. Algumas Províncias ou Territórios ainda não integraram as parteiras como a Ilha do Príncipe Eduardo outras ainda não têm nenhuma (New Brunswick) ou poucas (Nova Scotia, Saskatchewan) em atividade falta de terem um programa de formação e/ou financiamento e/ou apoio do Governo local. (Em outro momento prometo fazer um post mais detalhado sobre esse assunto que rende muito pano para manga!!)

Voltando a Conferência! Houveram muitas palestras interessantes. Houve um formato diferenciado baseado no TEDtalks que elas chamaram de CAMtalks que foi muito bacana. Foi uma Plenária com palestras curtas de 10 ou 15 min cada uma com ideias provocantes e/ou inovadoras em assuntos variados que iam de farmacologia, á fertilidade passando por VBAC e ampliação da atuação da parteira. Gostei muito desse formato! Permite que possamos abrir para uma quantidade maior e mais variada de temas e palestrantes. Mas eu vou me concentrar em 4 palestras que acho que vale a pena falar mais em detalhes.

Primeiramente, a palestra das parteiras Inuits (o nome correto dos “Esquimós”) de Puvirnituk.

E vamos fazer um close na terceira foto (desculpem o ângulo a sala estava cheia, eu sentei no chão no lado!):

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Tem um mapa da Região da Bahia de Hudson que é no Território Inuit de Nunavut e ao lado está escrito: “Nós vivemos em uma região remota, mas com a confiança das mulheres Inuit o parto normal vaginal tem sido um sucesso no Norte”. A história da Casa de Parto de Puvirnituk é muito bonita! É uma das pioneiras no Canadá. Ela é contada em um documentário muito emocionantes chamado Birth Rites (prometo também um outro post sobre os 3 filmes que assisti no Festival de Filmes sobre Parto incluído na Conferência!)  Resumidamente, como em muitos países do mundo (isso vem acontecendo também no Brasil), os Governos decidem que a melhor maneira de prestar serviço em saúde materno-infantil a populações Nativas em regiões remotas é de retirar as mulheres de suas Vilas, Aldeias e leva-las para grandes centros para que elas possam parir com a “segurança” e “conforto” de um hospital moderno. A mulher é obrigada então a deixar sua família, seus costumes e sua terra para ir parir em uma cidade estranha. Até 1986 era também o que acontecia da pequena Aldeia Inuit de Puvirnituk. Mas desde então tudo mudou! As parteiras locais “voltaram” das cinzas e a Casa de Parto local funciona desde então com um índice de pasmem vocês: 3% de cesarianas! Além de devolverem a dignidade as mulheres e suas famílias (os problemas sociais também foram afetados pela mudança), os serviços das parteiras na Casa de Parto têm estatísticas impecáveis há décadas, inclusive taxas baixíssimas de intervenções. A Casa de Parto de Puvirnituk é um lindo exemplo de como tradição e modernidade podem trabalhar juntos, de braços dados para o bem estar do ser humano.

No mesmo tema quero mencionar também a palestra da parteira Lesley Paulette do Vilarejo de Forth Smith situado nos Territórios do Norte Oeste também uma região remota. Ela teve uma palestra maior em uma Plenária contando o histórico e os resultados da Maternidade. Lesley é de origem Mohawk uma das Primeira Nações Norte Americanas. Uma Senhora de meia idade com muito carisma e energia! Ela nos contou de suas mentoras as parteiras antigas de Forth Smith e de como começou seu trabalho partejando em troca de uma galinha aqui, uma reforma em sua casa ali! E disse para a plateia: comecem a partejar que as mulheres chegam! Contou como, depois de que mais de 50% das mulheres da comunidade decidiam ficar e parir com ela e sua parceira, finalmente as autoridades do Serviço de Saúde aceitaram sentar para conversar! E depois de ganhar um terreno e nele plantar uma placa que dizia: “Futuro local da Casa de Parto de Forth Smith”, ela e a parceira um dia finalmente conseguiram arrastar representantes do Ministério da Saúde para o terreno e insistir que elas precisavam de uma estrutura autônoma!  Forth Smith é outro exemplo de como Tradição e Modernidade podem trabalhar juntos para o bem de uma Comunidade oferecendo uma assistência adequadas as necessidades específicas (culturais inclusive). Também um outro exemplo de como um grupo de mulheres pode em associação, com parcerias se organizar e recuperar sua autonomia e dignidade e assim ter um efeito sobre uma Comunidade inteira. Como Puvirnituk, Forth Smith tem estatísticas impecáveis apresentadas em outra palestra pela professora Patricia Janssen (uma das autoras do estudo Outcomes of planned home birth with registered midwife versus planned hospital birth with midwife or physician) e sua associada Caitlin Frame que fizeram um estudo na Casa de Parto de Forth Smith recentemente.

A Casa de Parto de Forth Smith tem como Centro de Referência a cidade de Yellowknife para transferências. E o Diretor clinico do Departamento de Ginecologia e Obstétrica do Hospital Stanton de Yellowknife Dr. Andrew Kotaska estava presente na Conferência e fez duas palestras. A primeira foi sobre evidências fisiológicas de como um nascimento em dois tempos  contribuir para a redução de distocia dos ombros discutindo qual o tempo ideal de espera entre a cabeça e o corpo. Vale dizer aqui que o método ensinado à maioria dos obstetras e parteiras também (eu aprendi assim) é de “ajudar” o bebê a sair imediatamente em uma contração sem espera logo após a cabeça. Depois de um tempo e consequente ao meu estágio com a parteira mexicana Angelina Martinez Miranda eu entendi que o melhor era de esperar em dois tempos: uma contração para a cabeça e o corpo nasce na próxima. Sempre pratiquei assim. Foi interessante ouvir as evidências científicas  de que isso é o melhor para o bebê! Na mesma palestra ele também falou das evidências sobre os benefícios do corte tardio do cordão como um sistema natural de reanimação neonatal. O Dr. Kotaska também é conhecido por sua experiência em manejo de partos pélvicos. E a sua outra palestra, em uma sala menor, foi sobre este tema. Ele é um dos autores das Diretrizes sobre partos pélvicos vaginais da Sociedade Canadense de Obstetrícia e Ginecologia. Mais uma vez ele ganhou minha admiração demonstrando seu entendimento da fisiologia do parto, seu comprometimento com a mesma e a segurança e o entendimento da colaboração com as parteiras. Ele fez entre outros uma residência em uma Maternidade na Alemanha especializada em partos pélvicos vaginais. A palestra era sobre como lidar com aquele parto pélvico surpresa com dois estudos de caso que ele atendeu. Novamente muito interessante.

Finalmente quero prestar uma homenagem a algumas das mulheres que conheci ou revi.

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Essa é Adriana Guerra mãe, doula, empresária e a orgulhosa proprietária da Empresa Mamamor que fabrica lindíssimas  bonecas artesanais customizadas que parem, amamentam e levam seus bebês em lindos e coloridos slings! Adriana é uma simpatia! Ela é casada com um canadense e vive na cidade de Edmonton com sua família, marido e 3 filhos. Ela é originária do nosso vizinho Uruguai.

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Tive um feliz encontro com a parteira Lucie Hamelin que é atualmente Diretora do Curso de Parteiras (sage-femme) da Universidade do Québec em Trois-Rivières o único curso de formação de parteiras da Província de Québec. Por coincidência eu sentei ao lado de Lucie no workshop de sutura avançada que fizemos no primeiro dia! Logo em seguida na saída encontramos Céline Lemay uma outra parteira quebequense atualmente professora do curso e trabalhando a escrever um livro sobre fisiologia sob o ângulo das parteiras. Conheço Céline já há um tempo! E por indicação minha ela esteve na Conferência Internacional da ReHuNa em 2011 em Brasília. Foi ótimo revê-la! Ela também esteve no Brasil em outubro passado  na Conferencia Normal Labour and Birth em Búzios. Foi um grande prazer e honra estar com estas duas mulheres de grande experiência e sabedoria. Elas fazem parte da história da profissão de parteira no Québec. Lucie já foi presidente do Regroupement des Sages-femmes du Québec  que é hoje a Associação de parteiras da Província. Enquanto que a Ordre des Sages-femmes du Québec como Conselho profissional faz valer a regulamentação da profissão e a proteção do público. Elas viveram todas as etapas: desde a organização do movimento nos anos 70 e 80, à luta pelo reconhecimento nos anos 80 e 90 até hoje e atenderam muitos partos!

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O National Aboriginal Council of Midwives (NACM) é a Associação de promoção das parteiras das Primeiras Nações. Acima duas das membros do Conselho Diretor. A Presidente de saída a esquerda e a direita Evelyn que já morou no Brasil “em uma outra vida” segundo ela, antes de tornar-se parteira. A Conferência do NACM foi logo em seguida perto de Saskatoon. A presença das parteiras aborígenes foi grande durante toda a Conferência com palestras muito emocionantes sobre as dificuldades passadas e presentes mas também os ganhos e avanços atuais. Tivemos algumas apresentações de canções tradicionais sempre acompanhadas do tambor ritual e a linda, emocionante e inspiradora palestra de fechamento foi feita pela muitas vezes premiada professora e autora Maria Campbell de origem Métis, bisneta de parteira.

Já estou me programando pra ir a Conferência Trienal da International Confederation of Midwives (ICM) que será em Toronto em 2017 em parceria com a CAM! Quem sabe encontro alguma de vocês por lá!

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Bom acho que para uma primeira vez está bom!! Até a próxima pessoal!

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