Entrevista pela Terra

Este post é uma homenagem. Uma singela homenagem à uma amiga querida. Minha amiga Catherine é uma das responsáveis pelo fato d’eu trilhar hoje o caminho no mundo do parto, nascimento e das parteiras. Ela foi a primeira pessoa a me falar ao mesmo tempo de assistência de parteiras e experiência de parto positiva. Foi ela também que me apresentou à Liga La Leche e à criação com apego. Minha singela e carinhosa homenagem a essa mulher que tem toda a minha admiração e carinho. A versão original da entrevista em francês está nesse post, como sempre a tradução livre é minha! Agradeço a generosidade de ter aceito me dar essa entrevista. Agradeço também a confiança, a clareza e a honestidade das respostas. Catherine, você é e sempre será para mim um exemplo de mãe, mulher e ser humano a ser admirado.

Sem mais delongas aqui vai:

-Você poderia se apresentar?

Eu me chamo Catherine. Sou mãe de duas meninas: Nadia que tem 19 anos e Valentine que tem 7 anos. Eu moro em Montreal com meu companheiro Filipe e com a Valentine; Nadia já saiu de casa. Eu trabalho como psicóloga junto a adultos e adolescents. Eu me especializo em terapia de casal e transtornos alimentares.

Você poderia nos contar de maneira breve os seus partos?

Meus partos foram separados por um período de 12 anos. Eu pude vivênciar o primeiro como uma jovem mulher, aos 20 anos, e o segundo como uma mulher mais madura aos 32 anos. Minhas filhas não têm o mesmo pai. Do ponto de vista fisiológico, meus dois partos foram similares (os dois foram rápidos e intensos, o primeiro durou por volta 6 horas e o segundo por volta de 7 horas). Não houveram complicações, eu pari as duas vezes na mesma Casa de Parto mas não com a mesma parteira. Porém a minha relação com as duas parteiras foi bem diferente: da primeira vez eu gostava bastante da minha parteira e tinha confiança nela emocionalmente. Da segunda vez eu mal a conhecia (ela estava substituindo uma outra parteira) e não havia esse vínculo de qualidade. Eu tinha confiança nas competências dela mas mesmo assim isso não me deixa o mesmo tipo de lembrança.

Jaqueline

-O que te levou a escolher os serviços de parteiras para os seus partos?

Eu havia lido um livro sobre o parto natural que me inspirou, então eu sabia que esse tipo de serviço existia e eu tinha ouvido falar das parteiras. Porém, eu fui mesmo assim a uma primeira consulta com uma obstétra, eu pensava que seria provavelmente bom, mas essa mulher me pareceu seca e insensível: a primeira consulta durou no máximo 10 minuos e acho que ela nem mesmo sorriu. Em seguida eu procurei uma parteira que passou muito mais tempo comigo e foi mais atenciosa, ela parecia muito mais interessada no que eu vivia. Não havia nenhuma comparação, na verdade. O contraste era enorme. Na época, em 1995, as Casas de Parto no Quebec eram um Projeto- Piloto, era novidade. Eu me lembro que tinha um ambiente bem agradável. Nos sentíamos imediatemente acolhidas, á vontade, em casa. Depois da primeira consulta com a parteira a escolha era clara: eu nunca mais me questionei.

-Quais foram as diferenças entre o primeiro e o segundo acompanhamentos? Você preferiu um dos dois? Se sim porque?

Sim houve mais química com as parteiras na primeira vez. A primeira parteira estava de férias durante o meu parto, mas eu conhecia bem a que estava presente no meu parto por que eu a tinha visto várias vezes e eu gostava bastante dela. Essa parteira tem até hoje um lugar especial no meu coração. Ela não pôde fazer o acompanhamento do meu segundo bebê, o que me deixou bem decepcionada. Meu segundo acompanhmento foi feito por uma parteira que se chamava Jaqueline. Eu não gostava nem um pouco da substituta que trabalhava em parceria com ela, que eu conheci em uma consulta apenas. Então foi decidido que se Jaqueline não pudesse estar presente no parto (o que aconteceu), uma outra equipe de duas parteiras me assistiria. Eu as vi uma vez cada uma antes do parto. A parteira que finalmente esteve presente no meu parto era de modo geral boa mas não existia vínculo entre nós. Eu me lembro que ela fez um comentário sobre as posições que eu escolhia dizendo que elas eram menos eficientes e isso me magoou. Pelo menos ela não atrapalhou o processo. Ela foi bem discreta e me deixou sozinha com meu companheiro nas primeiras horas. Ela esteve mais presente no final. Era como se ela fizesse o estrito mínimo. Eu não a sentia envolvida emocionalmente. Ela estava “fazendo seu trabalho”, só isso. Ela não foi uma fonte de apoio emocional para mim.

Na época do meu segundo parto em 2007, as Casas de Parto já eram mais conhecidas e havia mais demanda. Muitas mulheres não conseguiam um lugar. Tinha muito mais gente nos cursos pré-natais, eu me lembro que tive dificuldade de encontrar uma cadeira para sentar. Eu fui apenas uma vez e não voltei por que estava tudo muito caótico. As parteiras também pareciam organizadas de uma forma diferente. No primeiro parto em 1995 eu simplesmente precisava ligar para a minha parteira quando o parto começasse. No segundo, em 2007, haviam “plantões”, então eu não sabia ao certo qual parteira estaria presente. Eu devia ligar para um serviço telefônico de resposta automática que me diria qual parteira estaria de plantão naquele momento. Então foi uma experiência muito menos forte do ponto de vista humano, muito menos personalizada. Definitivamente não foi a mesma coisa.

-Você recomendaria a assistência das parteiras do Quebec às suas amigas? Porque?

Sim mas com um bemol. Eu não sei como estão os serviços em Casa de Parto em 2015, meu último parto ocorreu há 7 anos e eu imagino que possivelmente possam haver tido mudanças desde então. Os serviços são com certeza mais acolhedores e personalizados que no Hospital onde na maioria das vezes as mulheres nunca encontraram anteriormente o pessoal que vai lhes prestar assistência. No Hospital “caímos” em uma pessoa gentil ou não, é realmente uma questão de sorte, pelo que eu ouvi dizer. Também tem o fato da filosofia diferenciada das parteiras que encaram o parto como um processo natural, elas são menos intervencionistas, o que é uma coisa muito boa. Mas eu não poderia garantir a minhas amigas que elas teriam um vínculo com sua parteira e isso é realmente lastimável. Eu imagino que por vezes o vínculo esteja presente e por vezes não, mas isso não me parece ser mais uma prioridade para as parteiras. Enfim, essa foi a impressão que a minha segunda experiência me deixou.

Trust

-Porque, na sua opinião, a assistência das parteiras no Quebec progrediu tão pouco nos últimos 20 anos desde a introdução desse serviço no Sistema de Saúde Público (atualmente a porcentagem de usuárias desse serviço ainda não atingiu 10% da população sendo que sabemos que a demanda se situaria á pelo menos 25%)?

Eu não acompanhei muito bem a situação depois do meu segundo parto, talvez por que minha experiência tenha me decepcionado e eu tenha me desenvestido. Tem certamente uma questão de formação, eu creio que muito poucas parteiras são formadas e isso explica em parte o problema. Eu estou bem convencida que os médicos também colocam entravas às parteiras, pois eles não querem perder a clientela e seus poderes especiais.

-O que é a Liga La Leche para aqueles que não a conhecem?

A Liga La Leche é um Organismo Internacional de apoio ao aleitamento materno. As monitoras são voluntárias e amamentaram seus bebês. Eu fui monitora voluntária durante 13 anos de 1996 à 2009. O que é especial com a LLL é que ela faz a promoção de um tipo de maternagem (que poderíamos chamar de “attachment parenting”, “criação com apego”) e não somente conselhos técnicos sobre amamentação. Ela encoraja as mães (e pais) à estarem a escuta de seu bebê, à responderem ás suas necessidades, à não ter medo de mima-los em pega-los no colo e em amamentando-os várias vezes seguidas e/ou longamente. Essa mensagem me ajudou muito como jovem mãe pois meu bebê era sensível e exigente, ela queria estar sempre no meu colo e ser amamentada com frequência também. Eu ouvia muito que eu iria mima-la, então ouvir da LLL que o que eu fazia era correto foi verdadeiramente importante para mim. Isso de deu confiança nas minhas capacidades de mãe. E isso também me permitiu conhecer outras mães, pois aos 20 anos, a maioria das minha amigas ainda não tinha filhos. O isolamento é um problema sério que vivem muitas novas mães. Nossa sociedade é mal feita nesse sentido.

tightrope

-O que você mais gostou durante os anos que você trabalhou junto da LLL?

Um pouco a mesma coisa que eu gostou agora como psicóloga: eu gosto de ter o sentimento de ajudar e eu gosto de ter a oportunidade de encontrar e acompanhar as pessoas durante um período importante e vulnerável de suas vidas. Eu gostava de ver os bebês crescerem quando as mães vinham com eles nas reuniões mês após mês. Algumas mães eu não esquecerei nunca. Um dos momentos mais bonitos foi durante uma das reuniões da LLL: uma mãe que eu já conhecia, pois ela tinha vindo ás reuniões quando estava gestante, mas ela tinha acabado de ter seu bebê que eu então via pela primeira vez. A primeira coisa que ela fez chegando, sem nenhuma hesitação, antes mesmo de me dizer uma palavra, foi de colocar o seu bebê no meu colo. Isso me tocou tanto, uma prova de confiança tão bonita. Eu ainda fico emocionada quando lembro.

Enquanto ser humano, mãe, mulher e profissional o que pra você foi a lição mais importante da maternidade?

A maternidade me trouxe e me traz ainda minhas mais belas alegrias e meus maiores sofrimentos. Eu digo sofrimentos por que minha filha mais velha, que hoje tem 19 anos, se recusa a me ver e falar comigo fazem agora quase dois anos. Eu acredito que ela tenha sido vítima de alienação parental, que é um fenomeno que eu não conhecia antes de sua partida em 2012. Mesmo se eu lhe dei tudo que eu pude na vida e que eu a amei e a amo ainda de todo meu coração, é possível que ela não volte nunca, talvez eu a tenha perdido. Eu não acreditava que isso pudesse nos acontecer, nós tinhamos uma relação tão bonita. Eu penso em amigas minhas que perderam seus filhos: uma amiga quando seu bebê tinha 5 dias. Uma amiga que perdeu sua filha de 1 ano e dois meses por causa da síndrome de morte súbita, uma outra amiga que perdeu sua filha de 13 anos para a leucemia. Minha avó que perdeu 5 filhos na pequena infância. Minha outra avó que perdeu um bebê no parto. A maternidade tem esse potencial terrível de nos fazer viver os maiores sofrimentos. No começo da minha vida de mamãe, eu acreditava que algumas coisas pudessem me “proteger” de certa forma. Um belo parto natural, amamentar minha filha, responder ás suas necessidades, tudo isso me parecia uma espécie de garantia. Com o tempo e a experiência eu me dei conta que não há garantia, nem mesmo algo perto disso. Eu posso dar o melhor de mim, dar tudo que tenho, dar todo o meu amor e isso não garante nada. Isso dá medo! É também uma grande lição de humildade. Bem-vinda a raça humana: ninguém está protegido das grandes tristezas. Agora eu julgo menos, eu entendo melhor o sofrimento dos outros. Como eu compreendi que não há garantias na vida, o fato de amar me parece ainda mais belo: ver que as pessoas amam apesar de toda a incerteza. Que seja amar seu filho ou uma outra pessoa, é sempre um risco enorme (eu vejo isso também em terapia de casal!) Ao mesmo tempo, a maternidade, mais do que qualquer outra coisa, é o que dá um sentido à minha vida, e eu sou tão feliz e tão sortuda de ter podido vivencia-la. Existem muitas mulheres que gostariam de ser mãe e não podem. Não podemos esquecer a sorte que temos de viver esse tão grande amor.

Love