Mudar Paradigmas

Eu adoro ler! Adoro um bom livro. Estou conseguindo nesse momento da minha vida ler bastante e sobre temas variados. Graças ao maravilhoso Sistema de Bibliotecas Públicas do Québec! Que benção! Como isso é bom, um sistema de bibliotecas públicas é tudo pra quem gosta de pensar e/ou ler! Junto com a Internet então, fechou!!

Estou me deliciando com o livro “The Power of Women” da parteira norte americana cherokee Sister Morning Star da qual eu já falei nesse post anterior (esse eu comprei na Conferência da Midwifery Today e vai para a minha biblioteca de empréstimos, na minha salinha de atendimento querida em Brasília, aguardem!). Estou sorvendo as palavras de Sister ou Estrella, dependendo de onde ela esteja, como quem sorve uma boa xícara de chá (que eu adoro!) quentinho! Aos poucos me deliciando com o que ela chama de “medicina da palavra”. Aliás eu quero corrigir as palavras da Benção Cherokee que ela ensina! Eu escrevi, no post em questão, de lembrança apenas mas no livro está escrito como ela nos ensinou: “May you live long enough to know why you were born”, “Que você viva o suficiente para saber porquê nasceu”. Essa benção é feita sob a luz do sol ou da lua dependendo do momento que a criança nasceu.

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Algumas palavras do livro que me tocam: “The psycho-spiritual-emotional-cultural aspects of a woman far outweight her physical nature; they actually create it.”  “Os aspectos psico-espiritual-emocional-cultural de uma mulher de longe ultrapassam sua natureza física; na verdade eles a criam.” p. 8  “Sometimes babies design a mother’s birth.” “Por vezes bebês desenham o parto de uma mãe.” p. 14

Agora vamos mudar de livro! O livro “The Structure of Scientific Revolutions”  “A Estrutura das Revoluções Científicas” é um Clássico no mundo acadêmico! Clássico assim mesmo com C maiúsculo! Meu marido acadêmico em Ciências Políticas quando viu o livro na minha mesa de cabeceira esclamou: “Você está lendo Kunh?!” Sim, também estou lendo e me deliciando com Kunh, sorvendo a medicina das palavras dele! Esse livro dá pra achar em PDf por aí, viva a Internet!!

Pra quem ainda não sabe, Thomas Kunh é o pai da noção de Paradigma Científico e Mudança de Paradigma. Ele escreveu sobre isso em 1962 e o trabalho ainda é A referência nesse tema. Um pouco das palavras de Kunh: “Paradigms: Universally recognized scientific achievements that for a time provide model problems and solutions for a community of practitioners” p. X. Tenho em mãos uma versão em inglês do livro, existe uma tradução em português, porém vou fazer minha tradução livre por aqui, perdoem-me! “Paradigmas: conquistas científicas universalmente reconhecidas que por um tempo provêm problemas modelos e soluções para uma comunidade de praticantes.”; ” (…) the more certain they [the historians of science] feel that those once current views of nature were, as a whole, neither less scietific nor more the product of human idiosyncrasy than those current today. If these out of date beliefs are to be called myth, than myths can be produced by the same sorts of methods and held for the same sort of reasons that now lead to scientific knowledge. If on the other hand they are to be called science, then science has included bodies of belief quite incompatible with the ones we hold today. (…) Out-of-date theories are not in principle unscientific because they have been discarded.” p.2. “(…) quanto mais certeza eles [historiadores científicos] têm de que aquelas visões da natureza correntes em uma certa época foram, como um todo, nem menos científicas nem mais o produto da idiosincrasia humana do que aquelas correntes hoje. Se essas crenças depassadas devem ser chamadas de mito, então mitos podem ser produzidos pelos mesmos tipos de métodos e retidos pelos mesmos tipos de razões que hoje levam ao conhecimento científico. Se por um outro lado elas devem ser chamadas de ciência, então a ciência já incluiu conjuntos de crenças um tanto incompatíveis com as que temos hoje. (…) Teorias defasadas não são em princípio não científicas  por que foram descartadas.”

No começo do mês de março fiz um seminário de um dia com a semiologista Stéphanie St-Amant aqui em Montreal. Foi mais um reencontro. Stéphanie e eu fomos colegas no Grupo MAMAN na mesma época, aquela do processo de legalisação das Casas-de-Parto de da profissão de parteira no Québec na segunda metade dos anos 90. Estamos nessa há um tempinho! O seminário se intitulou: “História crítica das práticas obstétricais e sua rationale”. Também gosto de ir á lugares, formações e de encontrar ou reencontrar pessoas que gostam de refletir. Não me interessa se essas pessoas venham da mesma especialidade, formação ou classe social que eu. Aprecio boas reflexões mesmo não necessariamente concordando com elas contanto que exista respeito e apreciação mútua. Trocar sempre soma!

Stéphanie colocou muitas coisas. Mas passou um bom tempo sobre a noção e a concepção da obstetrícia de datação da gestação. Ao longo da história chegando até hoje. Porque datação específicamente? Por que hoje no Québec (do qual ela fala mais especificamente) e no mundo existe uma tendência crescente nas induções de parto (farmacológicas ou não).

Recentemente na Mídia e nas Redes Sociais têm se falado muito sobre a segunda gestação e parto por vir  da Duquesa de Cambridge. E circulou nas Redes Sociais esse artigo sobre a questão de pós-datas e indução no caso da célebre Duquesa. E aí os ativistas do parto humanizado compartilham dizendo: olha aí, podemos esperar e pós-datismo não é indicação de cesárea! E os médicos (não necessariamente os cesáristas) compartilham dizendo: olha aí, mas se a gestação virar de risco vai precisar das intervenções X, Y Z e estamos aqui pra isso! E no mundo atual, não só no Brasil, a segunda visão está ganhando! E as induções aumentando e as cesárias também! Mas será que as duas visões não podem trabalhar juntas?

Por um outro lado têm gente muito otimista! Gente que está aí na luta pela “Humanização” como novo Paradigma de Assistência ao nascimento há décadas (20, 30 anos) que diz que as coisas no Brasil mudaram e muito! Veja essa entrevista da Mater TV com a Enfermeira Obstétrica baiana Mary Galvão por exemplo. E mesmo assim os índices globais de cesárea continuam a subir no Brasil e no resto do mundo. Enquanto isso experiências específicas em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil, mostram que é  de fato possível ter os famosos índices de 15% de cesárea sugeridos pela OMS de maneira segura utilizando adequadamente a tecnologia de ponta do século XXI , tecnologias antigas, milenares e recursos humanos treinados (formalmente ou não) para atuar em diversos escalões da Assistência (primária, secundária e terceária).

Do que se trata então? Como essa “Mudança de Paradigma” pode se fazer de maneira efetiva sem deixar ninguém de fora?  Ainda continuo refletindo, lendo Sister Morning Star e Thomas Kuhn, no momento! Ainda me questiono sobre que Paradigma Novo é esse que queremos e até onde a “Medicina Baseada em Evidências” é tão científica e tão maravilhosa quanto pretendemos…

Independente de concordar ou não ideológica ou filosóficamente com alguém, posso apreciar uma vontade genuína de contribuir para o avanço do Ser Humano nesse planeta. E por isso mesmo discordando de muita gente do “Movimento pela Humanização do Nascimento” (que está longe de ser um conjunto homogêneo de pesoas) continuo dialogando e trabalhando em parceria, de perto e de longe com essas pessoas. Muitas vezes tenho a impressão de que os profissionais médicos (médicos, enfermeiras, etc)  têm uma aversão viceral, quase que irracional a nós parteiras! Sobretudo á aquelas sem formação formal. E isso escapa a minha compreensão! Dois, ou mais, Modelos de Assistência distintos podem viver em paz, podem muito bem colaborar trabalhando juntos pelo bem comum. Não precisamos todos pensarmos igualzinho, sermos iguaizinhos! Isso é possível basta vontade e humildade suficientes de todos os lados.

Cito aqui para terminar um outro pensador, não pelo seu pedigree que é enorme e incontestável, nem por suas orientações políticas, que são sempre por natureza questionáveis, mas por traços que eu admiro em alguém; a capacidade de pensar e a coragem (que vem de cor, coração, lembram?) de dizer o que precisa ser dito: “Em um longo discurso sobre problemas enfrentados pelo Brasil, o ministro [Roberto Mangabeira Unger] criticou o modelo atual de ensino. Ele disse que um novo projeito nacional tem de ser produtivista e nacionalizador e vir acompanhado de uma revolução na educação pública. “Nosso ensino público é uma imitação do ensino francês do século 19, baseado em decoreba. Nosso método de ensino é uma camisa de força dogmática. É hora de tirar essa camisa de força”, afirmou.”

Pensemos e ajamos juntos e juntas, com sensatez e coragem, tiremos nossas camisas de força pelo bem de todas e todos e a felicidade geral!

Hands-in-a-circle

2 thoughts on “Mudar Paradigmas

  1. Paloma, uma característica das pessoas sábias é a imparcialidade. Muitas vezes a “paixão” por este ou aquele posicionamento, nos impede de enxergarmos as questões com racionalidade. Gosto da sua neutralidade e análise sem pré-conceitos! grande beijo!

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